segunda-feira, 4 de março de 2013

IV DOMINGO DA QUARESMA


Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Caros irmãos e irmãs,

Talvez muitos de nós tenham ouvido seus pais, avós ou até padres dizendo: “É preciso ser bom cristão, ser pessoa de bem...” e elencam os dez mandamentos da lei de Deus e os cinco da Igreja para dizer o que é um bom cristão. Crescemos com a ideia de que o Cristianismo é uma religião da moral, nos escandalizamos com os pecadores inveterados, com os libertinos. Se um desses entra na Igreja para fazer suas orações entre lágrimas, olhamos com desconfiança e nos afastamos para um banco bem distante. As leituras de hoje falam diretamente ao coração dos chamados “bons cristãos”, dos cristãos de moral rígida que disfarçadamente desprezam os pecadores e pensam que a vida reta depende unicamente de suas forças.
No evangelho encontramos a história de um pai que possuía dois filhos. O mais novo pediu a parte da sua herança e saiu de casa para “aproveitar a vida”. Gastou tudo com farras e, quando não tinha mais nada, precisou trabalhar cuidando de porcos (animal considerado impuro para um judeu como aquele jovem). Ele tentava comer ao menos a ração dos suínos (não era lavagem e sim um fruto do carvalho ou da azinheira chamado bolotas), mas não lhe permitiam. Aquele filho, que de alguma forma tinha matado seu pai porque pediu antecipadamente sua herança, longe da família, sem dinheiro, abandonado pelos amigos de farra e com fome “caiu em si”: “Quantos empregados do meu pai tem pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou embora, vou voltar para casa do meu pai e dizer-lhe: ‘Pai pequei contra Deus e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’ ” (vv. 17-19). Nestes versículos está escondida a grande diferença do retorno deste filho para o retorno de um aproveitador. Ele reconheceu que o caminho que tinha trilhado estava errado e desejava retornar para casa do pai ao menos como um empregado. Não pensava ser bem recebido, se aproveitar mais uma vez de seu pai, muito menos ser acolhido novamente como filho. A verdadeira reconciliação com Deus que S. Paulo fala na segunda leitura começa com este “cair em si”, reconhecer a própria situação de pecador e perceber-se necessitado de retornar para o Senhor.
Eu imagino a cena daquele filho retornando para casa, cabisbaixo, arrasado, com as roupas sujas e fedidas, ensaiando o que iria dizer para seu pai: “Pai pequei contra Deus e contra ti...”. E o pai que, talvez, do alto de sua varanda percebe um andar conhecido ainda distante, apurando mais a vista reconhece que é seu filho e sente compaixão (não é pena, mas um amor que padece com quem está sofrendo), sai correndo ao seu encontro, abraça-o e cobre-o de beijos. Todas estas ações são muito estranhas para um homem idoso, daquela época , em uma cultura onde o homem tinha a primeira e última palavra. Seria como se um fazendeiro-coronel do nosso sertão de 100 anos atrás fizesse isso com um filho que retorna para casa depois de ter feito tudo o que esta história conta.
Só depois que o pai demonstra seu carinho é que deixa o filho falar: “Pai pequei..”(v. 21), mas não o deixa terminar a frase e dizer: “trata-me como um dos teus empregados” (v. 19). O pai o interrompe. O filho “caiu em si” e voltou, está arrependido do que fez, isso basta para o pai: “Trazei depressa a melhor túnica para vestir o MEU FILHO” (v. 22). E pede que tragam todos os sinais que mostram a dignidade de filho e se faça festa, porque aquele que estava morto tornou a viver, o que estava perdido foi encontrado.
Que pai faria isso? O Pai do céu, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, aquele que também é nosso Pai. Ele faz festa com cada pecador que retorna à sua casa. Ele fica esperando que alguém retorne para acolher, devolver a dignidade de filho e fazer festa.
Mas quando continuamos a leitura da parábola percebemos que não era apenas o mais novo que precisava de conversão, o mais velho também, e a conversão deste é bem mais difícil. Ele nunca tinha desobedecido as ordens de seu pai e trabalhava incansavelmente para ele, mas nunca tinha visto o seu genitor como um pai e sim como patrão. Ele nunca tinha tido coragem de pedir um novilho para fazer festa com seus amigos, porque achava que não podia usufruir do que ainda não era seu. O “filho-empregado” ficou com muita raiva e não queria entrar na festa que seu pai estava dando para o “filho dele” (o mais velho não considerava o mais moço seu irmão). Ninguém conhece o final desta história, não sabemos se ele aceitou ou não o convite do pai e entrou na festa, nesta nova mentalidade do amor do pai.
Este filho mais velho é muito parecido com aquelas pessoas que falamos no início desta homilia. Elas têm dificuldade de entender o Cristianismo como a festa da misericórdia do Pai, de aceitar que a Igreja é a casa dos pecadores arrependidos ou em processo, de se colocar como alguém necessitado de conversão e reconciliação. Será que nós já entramos nesta festa, nesta nova mentalidade? Somos verdadeiros cristãos ou judeus rígidos, apegados à lei que Jesus criticou nesta e noutras passagens?
“... em Cristo, Deus reconciliou o mundo consigo, não imputando aos homens as suas faltas” (1Cor 5,19).

Pe. Emilio Cesar
Pároco de Guaiuba

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